18/03/2024 às 17h00min - Atualizada em 18/03/2024 às 17h00min

Protocolos de terapia e resiliência no atendimento a vítimas de racismo são desenvolvidos no HU-UFSCar

Desvendando traumas e fomentando a saúde mental: a crucial missão do atendimento psicológico para enfrentar os impactos do racismo e cultivar o bem-estar emocional

Felipe Monteiro / CCS
Portal Ebserh
Divulgação / Ebserh
O racismo está entre as piores experiências de sofrimento. Ele destrói a autoestima e o sentido da vida de pessoas pretas. Criar espaços seguros e qualificados dentro de uma unidade hospitalar fortalece crianças e famílias para o enfrentamento e luta pela igualdade racial. Pensando nisso, e a partir de um caso concreto, foi gerado um movimento clínico-institucional para formação e capacitação de funcionários do Hospital Universitário da Universidade Federal de São Carlos (HU-UFSCar), ligados à área da assistência à saúde mental, para práticas antirracistas no cuidado com as crianças internadas.
 
Apesar de o hospital, gerido pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), não ser referenciado para atendimentos nem de saúde mental infantil e nem de casos de violência racial, algumas crianças com essas queixas chegam ao serviço. “E quando a equipe identifica essas demandas, seja pelo próprio encaminhamento da Rede de Saúde, seja durante os atendimentos com a criança, se reúne para discutir o caso e propor o projeto terapêutico singular”, explica a médica pediatra Déborah Carvalho Cavalcante, acrescentando que se trata de uma ferramenta de cuidado individualizada e interprofissional, que considera todas as demandas (físicas, emocionais, sociais e ocupacionais) da criança.
 
O caso inicial deu-se a partir da identificação de que a raiz do problema de saúde mental em uma determinada criança estava associada às frequentes experiências de violência racial na escola. A partir disso, a enfermeira Bruna Luana de Souza contribuiu para a construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS), levantando discussões, além de articulações com outras instituições, tanto para a construção do cuidado após a alta, garantindo a continuidade do tratamento da criança e da família e da cessação da violência, quanto para a capacitação da equipe. “Sabe-se que esse é um problema muito maior e mais grave do que se pode identificar, porque é uma minoria dos casos que necessita de internação. Porém, a maioria das crianças pretas crescem vivendo situações de violência racial, que na maioria das vezes, é relativizada pela família e pelas instituições que frequentam”, informa Bruna.
 
Primeiros passos
 
Para a psicóloga Caroline Gonçalvez Carneiro, a Unidade da Criança e Adolescente da UFSCar, a partir do primeiro caso concreto, teve uma abordagem inovadora e humanizada, aplicando o uso de tecnologias leves em saúde como “o acolhimento e a escuta empática, a comunicação interprofissional e a confecção de plano terapêutico singular, letramento racial e descentralização terapêutica”, completa Caroline.
 
Opinião similar teve o terapeuta ocupacional Daniel Ferreira Dahdah, para quem essa abordagem foi fundamental para identificação dos pontos fortes (espaços de escuta e ressignificação das vivências para a criança e a família, a retomada das ocupações infantis de interesse e a construção da rede de cuidado pós-alta, por exemplo) e os pontos fracos (relativização do sofrimento da criança, patologização e medicalização da violência racial, diagnóstico errado de bullying e intervenções que reforçavam sintomas ou revitimizavam a criança, por exemplo.
 
Outro movimento válido de ser destacado foi a realização de uma roda de conversa sobre letramento racial e a oportunidade de discussão do caso com profissionais especialistas em relações raciais e saúde mental do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Brasilândia, localizado em São Paulo (SP). Também foram acionados serviços do município de referência da criança, como o CREAS, CAPs IJ, Centro de Referência da Mulher, Secretaria Municipal de Educação e o serviço vinculados a Coordenadoria Executiva de Políticas Étnico-Raciais, que garante o cumprimento do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288)
 
Desafios
 
Para Bruna, os desafios vão desde a ausência de espaços formativos que contemplem as especificidades raciais, impactando diretamente na assistência em Saúde nos currículos de formação profissional; a morosidade na implantação da Portaria 992/2009, que institui a “Política Nacional de Saúde Integral da População Negra” no Brasil de forma interdisciplinar e qualificada; a ausência de formações em serviço que abordem a temática racial direcionados a profissionais e gestores dos espaços de saúde e a falta de diversidade racial nos organogramas institucionais.
 
Especificamente na assistência às crianças, os obstáculos são diversos, como a identificação da violência racial, já que muitas vezes ela não é reconhecida, avisa Dahdah. “A vivência reiterada de uma violência faz com que ela seja relativizada e naturalizada. A culpabilização da vítima provoca medo e vergonha na criança, que não consegue distinguir os sentimentos, levando a externalizar o sofrimento de forma pouco clara, o que pode levar uma dificuldade diagnóstica”, fala o terapeuta ocupacional, acrescentando que o sentimento de impunidade leva a família a abandonar denúncias, deixando a criança à mercê dos agressores.
 
Conscientização e sensibilização
 
Além da temática importante, para ele a sensibilização da equipe é algo obrigatório para o cuidado pautado em práticas antirracistas. “Vivemos em um país em que o racismo é estrutural e combatê-lo deve ser compromisso ético de profissionais de saúde e de instituições que zelem por práticas não discriminatórias”, destaca Dahdah.
 
Déborah ressaltou, também, o empenho e dedicação dos profissionais do HU-UFSCar na aprendizagem de pautas relevantes como essa. “Os profissionais da unidade têm se dedicado a estudar o tema, a buscar parceiros e preparar documentos para orientar tanto os profissionais do nosso hospital quanto a divulgação científica”, finaliza a médica pediatra.
 

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