27/03/2024 às 12h01min - Atualizada em 27/03/2024 às 12h01min

Manguezais do Brasil oferecem alto potencial de redução de emissões de gases estufa

Pesquisa revela que a preservação de manguezais pode contribuir para o enfrentamento à crise climática

Ascom / CNPq
Portal Agência Gov
Ilustração
Estudo publicado neste mês na revista Nature Communications aponta que a redução da perda de manguezais no Brasil pode contribuir de modo significativo para a mitigação das mudanças climáticas. Os mangues da Amazônia possuem estoques de carbono totais da ordem de 468,3 toneladas por hectare, capacidade aproximada de 3 a 20 vezes maior do que a dos biomas terrestres brasileiros como o cerrado, o pantanal, a caatinga, florestas tropicais e campos sulinos.

Logo, incluir os manguezais em metas de mitigação de desmatamento oferece enormes benefícios no abatimento de emissões de gases estufa, conforme sugerem os pesquisadores que assinam o artigo. Eles defendem que a Amazônia Legal brasileira possui vastos manguezais, mas a falta de consciência e de dados sobre seu valor impediu a sua inclusão nos pagamentos previstos no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, conhecida pela sigla UNFCCC, em língua inglesa.
 
Os pesquisadores propõem a inclusão dos manguezais brasileiros nas Contribuições Nacionalmente Determinadas, conhecidas pela sigla iNDC, e sua utilização posterior no sistema voluntário de crédito de carbono para financiar a preservação de florestas, por meio da iniciativa REDD+.
 
Segundo o conceito adotado pela Convenção de Clima da ONU em 2013, REDD+ se refere a um mecanismo que permite um incentivo financeiro concedido a países em desenvolvimento que mantêm suas florestas em pé, sem desmatar, e com isso, evitam as emissões de gases de efeito estufa associadas ao desmatamento e degradação florestal. 

O estudo publicado tem como primeiro autor o bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ângelo Fraga Bernardino, professor do Departamento de Oceanografia e Ecologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), que assina o artigo com mais oito pesquisadores.
 
A UNFCCC é um tratado ambiental internacional, em vigor desde março de 1994, que tem adesão quase universal de países e o objetivo de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa resultantes de ações humanas na atmosfera. A intenção é impedir que esses gases interfiram de forma prejudicial e permanente no sistema climático do planeta. 

As iNDCs, por sua vez, referem-se a documento do governo brasileiro que registra os principais compromissos e contribuições do país para o atingimento das metas de mitigação, as ações de adaptação e os meios de implementação que o Brasil pretende adotar no âmbito do Acordo de Paris, compromisso internacional que tem o objetivo de minimizar as consequências do aquecimento global.
 
O Brasil possui o segundo maior repositório de manguezais do mundo, mas a estratégia nacional do REDD+ no país não inclui a mitigação do desmatamento de manguezais no contexto de pagamentos baseados em resultados visando à redução de emissões no âmbito UNFCC. Para entender melhor o impacto potencial desses ecossistemas costeiros, os pesquisadores analisaram 900 amostras de solo e medições de árvores de mais de 190 parcelas florestais, para determinar os níveis de emissão dos manguezais em áreas intocadas e desmatadas na costa da Amazônia.

As áreas estudadas incluíram manguezais nos estados do Pará e Amapá, abrangendo regiões próximas à foz do Rio Amazonas, onde, em período recente, foram descobertos manguezais sob influência da pluma do Rio Amazonas, área de água doce que se estende para o oceano a partir da foz desse rio. Essa água doce se mistura com a água salgada do oceano, criando uma zona de transição conhecida como pluma, que influencia as condições ambientais e a vida marinha ao redor da região da foz do rio.
 
Os pesquisadores conseguiram demonstrar, pela primeira vez, que as emissões de gases estufa com a perda de manguezais na Amazônia chega a ser 3 vezes maior que as emissões de área equivalente na Floresta Amazônica e que deter o desmatamento de manguezais na Amazônia Legal evitaria emissões de dióxido de carbono (CO²) na ordem de 1.228 toneladas por hectare.
 
Essas são as mais altas emissões por degradação de florestas de biomas brasileiros, florestais e não florestais. Essas emissões também equivalem ao acúmulo anual de carbono em 82,400 hectares de florestas secundárias. Os dados demonstram que evitar a conversão de manguezais em pastagens é equivalente a revegetar uma área quase 110 vezes maior do que a área degradada de mangues na costa Amazônica, em termos de balanço de emissões e sequestro de gases estufa.
 
A diminuição do desmatamento é uma prioridade do governo brasileiro para alcançar as iNDC do Brasil, que estabeleceu uma meta de redução de 100% das emissões do desmatamento atual sob as emissões de Uso da Terra, Mudança de Uso da Terra e Florestas até o ano de 2030. Proteger esses reservatórios de carbono azul, que incluem o carbono em biomas como os manguezais, marismas e gramas marinhas é, portanto, fundamental para auxiliar o país a cumprir a meta, como também para alcançar benefícios econômicos adicionais.

O potencial desmatamento evitado poderia ser incorporado a créditos de carbono voluntários para financiar a conservação florestal, por meio da iniciativa REDD+. Segundo o artigo, dado o crescente interesse global nos mercados voluntários de carbono, o financiamento por meio de programas REDD+ poderia levantar bilhões de dólares, além de ajudar a reduzir as taxas anuais de desmatamento no bioma amazônico.

Até o momento, o Brasil possui uma das maiores emissões globais de gases de efeito estufa (GEE), em sua maioria oriundos do desmatamento e da degradação de florestas e conversão de florestas em terras agrícolas e pastagens de gado. “As atuais metas de redução de emissões do governo brasileiro não enfatizam os benefícios climáticos dos manguezais na Amazônia”, afirma Bernardino. “Interromper o desmatamento de manguezais no bioma da Amazônia brasileira evitaria emissões equivalentes àquelas emitidas por mais de 200 mil carros movidos a gasolina todos os anos. Temos uma oportunidade única de abordar essa lacuna para aprimorar os esforços de conservação do Brasil no bioma Amazônia”, diz o pesquisador.
 
O desmatamento de manguezais é uma preocupação global, uma vez que a conversão dessas áreas em pastagens, viveiros de camarão ou uso para aquicultura elimina de forma permanente grandes estoques de carbono dessas florestas. Como resultado, o desmatamento dos manguezais contribui de forma significativa para as emissões de gases de efeito estufa. As avaliações limitadas de conjunto de dados regionais de campo, porém, diminuem a qualidade das tentativas de modelar os estoques globais de carbono dos manguezais, levando por vezes a grandes imprecisões dos estoques totais de carbono do ecossistema in situ. As mesmas limitações existem na disponibilidade regional de fatores de emissão da conversão de manguezais.

Estimativas regionais do Nordeste do Brasil, Caribe e Indonésia, por exemplo, indicam que entre 58% e 90% dos estoques de carbono ecossistêmicos totais são perdidos quando as florestas de mangue são convertidas em aquicultura de camarão ou pastagens de gado. Os pesquisadores afirmam que, como esses fatores de emissão são usados para modelar as emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera, avaliações precisas de parcelas baseadas em campo são críticas para apoiar programas regionais de mitigação.
 
A pesquisa que levou à publicação do artigo é parte da Expedição Perpetual Planet Amazônia, da National Geographic e da Rolex. O estudo se desenvolveu a partir de projeto anterior do professor Ângelo Bernardino, que identificou uma floresta úmida singular existente no delta do Rio Amazonas, onde extensos manguezais ocorrem em ambientes de maré de água doce. Também assinam o artigo o bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e professor do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agronomia “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), Tiago Osório Ferreira; o professor do Departamento de Ciências do Solo da Universidade Federal do Ceará (UFC), Gabriel Nuto Nóbrega; a professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pesquisadora no Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa-duração (PELD) Habitats Costeiros do Espírito Santo, Ana Carolina de Azevedo Mazzuco; a pesquisadora do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Fernanda Souza; o pesquisador da Esalq/USP, Rodolfo Costa; além da ecologista e professora da Universidade de Berna (Suíça), Margaret Owuor; do professor da Universidade Southern Cross (Austrália), Christian Sanders; e do professor da Universidade do Oregon (EUA), J. Boone Kauffman.

Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Comentar

*Ao utilizar o sistema de comentários você está de acordo com a POLÍTICA DE PRIVACIDADE do site https://mundobom.com.br/.